Quem fracassa com o fracasso escolar?
Uma pergunta incômoda, um debate indispensável
Por Mabel Del Giúdice
Tradução: Carla Jimenez
A problemática do fracasso escolar constitui um tema controverso. Quem fracassa? A criança, a família ou a escola? O fracasso acontece em função das dificuldades para aprender? Quais são os alcances do fracasso escolar? Este artigo se propõe a começar uma reflexão sobre um tema que abrange diferentes fatores e agentes. Um convite ao debate sobre aspectos que podem ser transformados ao se trabalhar em conjunto.
A questão do fracasso escolar é um assunto de interesse para os diferentes agentes sociais, tais como autoridades governamentais, especialistas em educação, profissionais em cargo de direção, docentes e pais. O assunto pode ser abordado a partir de diferentes perspectivas, que estão relacionadas ao caráter essencial da escola, à história das reformas educacionais, aos modelos de ensino, às práticas escolares e ao rendimento individual da criança, fonte de preocupação da família.
A complexidade do tema nos obriga a fazer um recorte no conteúdo deste artigo. Nos propomos a rever alguns aspectos referentes às práticas docentes e às consequências para a família quando um de seus membros apresenta “dificuldades para aprender”. Qual é o alcance do fracasso escolar? Sabemos que o fracasso escolar é difícil de ser definido e compreendido por se tratar de um fenômeno que não é natural, mas resultado das condições de interação entre a proposta de ensino, a assimilação do aprendizado por parte dos alunos, os modelos de ensino e de avaliação, além do contexto escolar e familiar.
Conceitualmente, o fracasso escolar é entendido como um desajuste produzido em algum ponto do sistema educativo, seja na formação do docente, na exigência dos conteúdos, na fragmentação curricular ou, ainda, nas possibilidades oferecidas aos alunos para o aprendizado. O rendimento individual de uma criança em sua condição de aluno mobiliza na família diferentes sentimentos vinculados ao desempenho escolar do filho:
- “Ele(a) faz a lição de casa sozinho(a), trabalha de modo independente e tem boas notas.” Essa atuação escolar é vivenciada com satisfação por parte da família.
- “A criança tem um rendimento médio, ou seja, não se destaca particularmente em nenhuma área, mas mantém um ritmo adequado para o aprendizado.” Esse perfil é aceito, em geral, de forma positiva por parte da família, à exceção dos pais exigentes que não se conformam com qualificações medianas.
- “A criança apresenta dificuldades para aprender” e requer acompanhamento familiar ou até ajuda profissional.
O que explica, no que diz respeito às crianças, as respostas acima?
O espaço escolar é o primeiro ambiente institucional do qual a criança participa sistematicamente e encontra pares com características similares e também diferentes das suas, tanto como criança quanto como aluno. As observações dos pares ou dos docentes dirigidas a uma criança fazem com que ela se perceba num espaço diferente do que foi designado pelos membros da sua família. Em outras palavras, as situações aqui assinaladas também repercutem na criança em particular, em seus sentimentos individuais.
As colocações “bom aluno”, “sempre é o último a terminar”, “demora muito”, “é muito rápido”, “trabalha bem, mas se distrai demais”, expressas pelo docente ou pelos colegas de uma criança, ecoam no seu íntimo, construindo sua identidade. São qualidades atribuídas por pessoas próximas que podem afirmar ou desestabilizar sua autoimagem. Os sentimentos despertados na criança por essas observações podem, em algumas ocasiões, gerar insegurança no momento de resolver situações escolares. Por isso, é importante criar um espaço de diálogo para conversar sobre o que acontece com a criança quando ela ouve o que se fala a seu respeito – não apenas as qualidades menos agradáveis, mas também aquelas em que ela é altamente valorizada.
O diálogo permite avaliar uma mesma situação sob outra perspectiva, favorecendo a construção de critérios particulares para conhecer a si mesmo e para reconhecer quando a criança pode realizar atividades individuais e quando há necessidade de pedir ajuda. A questão é quando pedir ajuda, e se essa necessidade diz respeito somente à criança ou está vinculada à proposta escolar ou à situação familiar/socioambiental. A seguir tentaremos expor algumas reflexões:
- As dificuldades individuais seriam aquelas que demandam um tratamento especial para superá-las.
Explicam-se pelo fato de a criança apreender alguns conceitos escolares que, ao serem aplicados na resolução de uma atividade escolar, produzem um resultado pouco satisfatório. Ou, ainda, quando ela carrega questões afetivas que repercutem em suas relações. Nesse caso, recorrer à orientação de profissionais externos ao âmbito escolar constitui uma boa solução para abordar a situação. - As dificuldades impostas por uma escola ou por uma situação socioambiental constituem barreiras para o aprendizado. Seria necessário revisar o método de ensino da escola e verificar se a avaliação está vinculada à forma como se ensina.
A forma de ensinar tem diferentes modelos que se expressam nos modos de transmitir informações e organizar as propostas didáticas:
- Uma posição possível é a tradicional, centrada na reprodução de conteúdos, onde se valoriza a repetição e a memória. A avaliação das lições diárias é realizada com correções do tipo “incompleto”, “bom”, “mau”, sem explicações por parte do docente sobre o que é necessário rever para melhorar. Esse modelo se sustenta na concepção passiva do aluno, considerado como aquele que recebe informação, assimila e reproduz.
- Outra posição se baseia na reflexão e participação ativa do aluno na construção de noções. Trata-se de propor atividades que permitam reconhecer o que o aluno já aprendeu e apresentar situações para que ele evolua. As correções ressaltam o processo individual: “Você pensou bastante e conseguiu avançar”, “Você conseguiu voltar a pensar no problema”. A ideia é que a criança reconheça do que é capaz e paulatinamente tome consciência de novas noções para ir adiante.
As dificuldades se apresentam quando o docente propõe um modelo de ensino mas faz a avaliação a partir de outro conceito. Ou, ainda, quando não existe na escola um consenso sobre como se deve ensinar, o que se espera dos alunos em classe e, finalmente, como e o que especificamente deve ser avaliado. Há docentes que não mantêm o mesmo conceito de ensino no momento da avaliação, e isso produz uma mudança nas regras implícitas da aula, gerando o fracasso dos alunos como resultado. Outra situação diz respeito às mudanças de critério que se observam na instituição de um modo geral. Se o corpo docente não mantém uma mesma modalidade de ensino, as valorações sobre a atuação dos alunos são distintas. Essas quebras na coerência institucional também levam ao fracasso escolar.
Os pais podem detectar essas posições distintas entre os docentes e solicitar entrevistas com eles e/ou com os profissionais de direção. A entrevista com o professor ou com os diretores pode gerar possíveis reflexões por parte dos educadores sobre suas práticas, de forma que eles assumam que podem cometer erros e apresentem outras alternativas para superar a tensão produzida. Mas também encontramos outros que preferem atribuir o problema à criança ou à sua família, sem se envolver na situação. Isso gera um mal–estar para os pais, e muitas vezes essa tensão entre os adultos prejudica o avanço do aprendizado da criança.
Como resolver essa situação?
O diálogo volta a se apresentar como a ferramenta essencial para produzir mudanças. É preciso que os pais se aproximem da escola, marquem uma entrevista com o docente para conhecer os aspectos valorizados por ele, e assim definam acordos de acompanhamento em casa e na escola. A ideia é saber de que modo um docente entende que a família deva acompanhar a escolaridade do filho e comprometer-se com ações que serão realizadas tanto em casa como na escola.
A finalidade desses encontros não é discutir as linhas de ensino ou de aprendizagem, mas encontrar alternativas de ações que favoreçam a criança, seja por meio de lições extras em casa com apoio dos pais ou professor particular, seja com abordagens individuais. Quando não existe uma dificuldade específica para o aprendizado, as orientações e o acompanhamento dos pais para que seus filhos superem obstáculos de entendimento das matérias são suficientes para que eles obtenham bons resultados na escola.
O foco central é estabelecer acordos para o que a criança precisa como pessoa, em função da sua idade e do seu grupo de colegas, e entender o que ela pode fazer sozinha e o que requer um certo acompanhamento escolar ou familiar. É importante que nenhuma parte se posicione como dona da razão. É necessário refletir sobre o que se está fazendo para que a criança/aluno aprofunde o seu aprendizado.
Como os adultos podem contribuir para que a criança obtenha mais êxito na escola?
Novamente, a resposta é o diálogo, a explicação verbal sobre o que acontece e o que será realizado em casa e na escola. Os pais vão explicar as diretrizes definidas/estabelecidas com a escola e discutir os acordos e desacordos referentes às valorações do docente. Mas deverão proteger as crianças da divergência de opiniões entre os adultos, para não prejudicá-las.
Ao dar as razões e explicações sobre as decisões tomadas, os pais estimulam um desenvolvimento moral mais maduro na criança, além de contribuir para conscientizá-la sobre os aspectos comprometidos na situação e os compromissos assumidos para superar os obstáculos inerentes.
É importante lembrar que toda situação de mudança gera ansiedade e insegurança. É preciso que os pais ajudem o filho a compreender o contexto e acompanhem os reflexos no emocional da criança. Estabelecer antecipadamente as metas que precisam ser alcançadas, fazer o planejamento para que elas sejam concretizadas e realizar pequenas tarefas individuais vão devolver a segurança necessária à criança.
As atividades também podem ser dirigidas com modelos que a criança poderá repetir, revelando o que ela pode fazer sozinha e o que requer a colaboração de um adulto. Em alguns momentos será preciso ouvir a criança dizer em voz alta o que sabe para avaliar se ela absorve os procedimentos propostos pelo adulto. A expectativa é de que a criança vá, paulatinamente, autorregulando sua conduta e obtendo melhores resultados na aprendizagem. Em suma, a proposta é dialogar para encontrar os acordos e também os desacordos. Frente a estes últimos, construir pontes que permitam superar as diferenças, cuidando sempre da criança–aluno.
* Mabel Del Giúdice é graduada em Psicopedagogia, Mestre em Psicologia Educacional, diretora do Departamento de Psicologia e Ciências Pedagógicas da Universidad Caece. Docente (UBA e Universidad Caece). Supervisora das equipes de Psicopedagogia do Centro Claudina Thevenet.
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(CC BY-NC Acervo Educarede Brasil)