Preservando a água doce

Gotas de consciência

Escolas estão contribuindo para que, no futuro, a humanidade não crie guerras pelo controle da água doce, como hoje existem conflitos pelo domínio do petróleo

 

Melanie Torres*

 

 

Toda vez que você abre a torneira, nem imagina que aquela água, que hoje flui com tanta facilidade, pode, no futuro, se tornar o principal motivo de conflitos ? e até de guerras ? entre as nações do mundo. Isso porque, em 25 anos, 1/3 da população da Terra ficará sem esse recurso essencial à vida, caso não sejam tomadas atitudes urgentes, passando por decisões políticas e governamentais e também pela educação e conscientização das novas gerações.

 

Enquanto a população mundial, de 6 bilhões de pessoas, cresce em ritmo acelerado (1,5% ao ano), a quantidade de água tem permanecido constante nos últimos 500 milhões de anos. O planeta Terra tem 71% de sua superfície constituída por água, porém, desse montante, somente 2,5% são de água doce e apenas 0,75% pode ser considerado aproveitável (os 1,75% está em calotas e geleiras polares). Em algumas regiões, como no Oriente Médio, já são constantes as desavenças que a escassez de água vem proporcionando.

 

Não é à toa que a Unesco (Fundo das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) elegeu 2003 como o Ano Internacional da Água Doce para o seu Programa de Escolas Associadas (PEA), iniciativa que reúne mais de 7 mil escolas em todo o mundo e está comemorando 50 anos de existência.  No Brasil, participam do grupo cerca de 250 escolas das redes pública e privada. Segundo a coordenadora regional do PEA no Rio de Janeiro, Aurora Borges, a Unesco sugere um tema anualmente, de acordo com as questões prioritárias que estão sendo discutidas em âmbito internacional. A proposta atual tem por objetivo promover a discussão e o desenvolvimento de atividades práticas em prol da preservação da água.
 

Embora tenham um tema comum, as escolas integrantes da Rede PEA têm total liberdade para criar seus próprios projetos e metodologias. Uma das integrantes brasileiras, a Escola Estadual Profª Maria Dulce Mendes, em São Vicente, litoral de São Paulo, está trabalhando a água como um desdobramento de um projeto bem amplo. Batizado de ?Viva a Ecooperação? . envolve alunos do Ensino Fundamental e Médio e tem por objetivo desenvolver atividades a partir de valores pessoais (saúde e higiene; aprender a ser), sociais (desenvolvimento humano e qualidade de vida; o conviver) e ambientais (preservação; conhecer para preservar).

 

De acordo com a coordenadora pedagógica da escola, Denise Toss, a primeira ação dos estudantes é a elaboração e a realização de um questionário ecológico para diagnosticar hábitos e atitudes dos alunos e da comunidade local com relação ao tema água doce: uso, oferta de água potável, saneamento básico e visão do futuro. Em seguida, é feito um mapeamento das áreas que serão estudadas: rios, córregos, mangues, bacias hidrográficas e parques da região. ?Também queremos sensibilizar os alunos para a importância da coleta seletiva. Vamos dar continuidade ao desenvolvimento da nossa horta orgânica e tentar implantar o processo de horta hidropônica (hortaliças desenvolvidas na água)?, conta Denise.

 

A escola pretende documentar com fotografias todas as atividades para enviar um relatório à coordenação da Rede PEA-Unesco no final do ano letivo. Também há a intenção de criar um jornal para divulgar as etapas desse trabalho. O pontapé inicial já foi dado. No Dia Mundial da Água (21 de março), os alunos realizaram uma panfletagem no bairro para sensibilizar a comunidade na questão da preservação da água.

 

 

Envolvendo a comunidade

 

Água na pauta mundial

A água é um dos pontos mais debatidos desde a realização da Cúpula de Johanesburgo (África do Sul), em 2002, quando foram criaradas as Metas do Milênio. Trata-se de uma proposta de reduzir pela metade a falta de acesso à água potável  (hoje, 1,4 bilhão de pessoas) e a um sistema básico de saneamento (2,3 bilhões) até o ano 2015. Em março de 2003, o 3o Fórum Mundial da Água, no Japão, e o Fórum Social das Águas, em Cotia, (SP) discutiram várias ações que podem decidir o futuro da água.

Igualmente engajados no tema anual da Unesco, os pequenos alunos da Escola Municipal de Educação Infantil e Especial Frei Orlando, no Rio de Janeiro, já assistiram a um vídeo sobre a água doce do planeta, no qual cachoeiras, rios, lagos e nascentes foram mostrados. Inspirados no que viram, as crianças fizeram desenhos que ficaram expostos nas paredes dos corredores da escola. ?Faremos uma eleição para escolher o desenho que vai ilustrar o nosso panfleto?, revela a coordenadora pedagógica Janice Reis Carvalho. ?Reunimos algumas dicas de preservação do meio ambiente para sensibilizar a comunidade vizinha, como por exemplo, evitar o desperdício de água, diminuir a produção de lixo, e da importância de plantar uma árvore.?

 

A realização do projeto ?Educação Ambiental para o Homem Integral?  levou o Centro de Educação Integral da Criança e do Adolescente Nossa Senhora dos Prazeres (CAIC), em Lajes (SC), a ser indicado para representar a Rede PEA Brasil como escola rural. O trabalho, desenvolvido com alunos de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Supletivo e até Terceira Idade, tem foco na adoção do riacho vizinho da escola, visando proteger suas nascentes e replantar a mata nativa em suas margens. Além disso, lançaram uma campanha local para a questão do lixo. ?Pretendemos sensibilizar a comunidade para que o riacho deixe de ser um depósito de detritos?, comenta a diretora Vera Marcia Fiqueiredo Morais. No futuro, articulando parcerias com outras escolas e órgãos públicos, o CAIC quer transformar o local numa área de lazer e turismo.

 

 

Direto da fonte

 

Talvez por abrigar a nascente límpida do poluído Rio Tamanduateí, o município de Mauá (Grande São Paulo), seja um exemplo raro de engajamento da comunidade em temas ambientais.  Há cinco anos, a cidade realiza a tradicional Expoágua, evento que reúne trabalhos sobre meio ambiente desenvolvidos por alunos da rede pública de ensino de Mauá e que recebe visitantes assíduos de várias cidades vizinhas. De acordo com o assessor técnico da Sama (Saneamento Básico do Município de Mauá), Sérgio Neves, a idéia começou a ser formulada em 1997, quando os professores da rede pública procuraram o órgão para ter acesso a informações mais detalhadas sobre o tratamento de água oferecido. A demanda foi tanta que a Sama resolveu realizar cursos e seminários específico para escolas ? alguns deles ministrados por professores da Universidade de São Paulo (USP). Assim, cientes da importância de preservação da água, alunos e professores criaram grupos de estudos dentro das escolas para as questões ambientais.

 

A 5ª edição da Expoágua reuniu, em 2002, cerca de 3,5 mil alunos e professores no saguão do Teatro Municipal de Mauá para conhecer os trabalhos dos estudantes de 33 escolas, muitas integrantes da Rede PEA-Unesco.  A Escola Municipal Cora Coralina foi um dos destaques da exposição por desenvolver uma atividade que une educação ambiental e desenvolvimento humano. Tendo como base o estudo do rio Tamanduateí, os estudantes coletam água em sua nascente e em dois pontos intermediários, depois, o material é levado para análise para verificar se há coliformes fecais e resíduos químicos. Os alunos também observam a vegetação, o volume de lixo e a ocupação humana do local.

 

Por que vai faltar água?

O volume de água em circulação depende do ciclo hidrológico:  precipitação (chuvas), escoamento (rios) e fluxo de águas subterrâneas. A quantidade de água doce gerada é hoje basicamente a mesma de 1950 e deve se manter em 2050. As mudanças climáticas serão responsáveis por 20% do aumento da falta d?água, segundo a ONU. Nas cidades sem serviço de saneamento básico e rede de esgoto, os detritos são lançados nos rios e no mar, além dos dejetos industriais. Atualmente, estima-se que haja 120 mil km³ de água contaminada no mundo – quantidade maior do que o total das dez maiores baciais hidrográficas do planeta.

Segundo o coordenador pedagógico e professor de Geografia, Antonio Coelho de Souza Nascimento, o objetivo desse projeto que envolve estudos em ambientes externos à escola é sobretudo construir valores de trabalho cooperativo. ?Nós, professores, entendemos que fazer os alunos perceberem na prática as questões ambientais e sociais é mais importante que decorar textos e copiar frases do quadro?, avalia. E avisa: ?Não é uma simples excursão. O passeio, a visita, pode ser agradável sem perder o aspecto pedagógico?.

 

Perto do rio Tamanduateí existe uma ocupação irregular na forma de favela. ?A partir daí, incentivamos os alunos a pensarem a respeito dos problemas ambientais do rio e da população que vive ali e em que condições, ou seja, entra o aspecto social, cultural e econômico?, acrescenta o professor Antonio. Ele enfatiza que o projeto permite que os alunos valorizem os aspectos ambientais e sociais do meio em que vivem, construindo uma atitude responsável.

 

*Melanie Torres é jornalista, colaboradora do EducaRede

 

(CC BY-NC Acervo Educarede Brasil)

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