Irmãos: entre os ciúmes e o amor mais profundo

Irmãos: entre os ciúmes e o amor mais profundo

É possível resolver a equação entre atenção especial e incondicionalidade quando se tem mais de um filho? O Prof. Rolando Martiñá propõe neste artigo algumas ideias para melhor administrar as relações entre os irmãos e com os pais.


Por Rolando Martiñá*
Tradução: Lilian Escorel

 

Ser pai e mãe é um trabalho árduo, que se realiza aprendendo. Como o trabalho do carpinteiro que deve, ao mesmo tempo, construir um móvel e as ferramentas a serem usadas na construção.

Além disso, as coisas se complicam em progressão geométrica: criar um filho já é problemático e requer desenvolver habilidades inéditas, como, por exemplo, ir trabalhar sem ter dormido ou amamentar às 4h da manhã.

Dois filhos não são dois problemas, mas quatro ou oito. E se são de idades diferentes, um entrando no ensino fundamental e o outro aprendendo a andar, os problemas são incontáveis, porque a trama de relações torna-se muito complexa e a de necessidades se diversifica. Passa a ser, então, cada vez mais difícil para os pais responder, ao menos de modo razoável, à dupla demanda de todos os filhos, seja qual for a idade: atenção especial e incondicionalidade. O que implica, entre outras coisas, estarem sempre disponíveis e tomarem decisões justas. Ou seja: hoje em dia, as crianças descobrem muito cedo que os Reis Magos são os pais, e, do mesmo modo, continuam esperando que os pais sejam “reis” e “magos”.

Seria fácil abordar esta descrição crua apelando a frases feitas, do tipo “amar é dar tudo sem esperar nada em troca” e coisas do gênero, mas a verdade é que formar e sustentar uma família são um desafio muito grande, que, com frequência, põe as pessoas no limite de suas possibilidades. No entanto, as pessoas continuam se unindo, se amando e procriando, motivo pelo qual devemos pensar que, apesar das dificuldades, essa missão tem algo de profundamente pleno e gratificante. Isto posto, não é demais oferecer alguma ajuda aos que estão empenhados na tarefa ou projetam estar.

Quando nasce um filho, a vida dos pais muda para sempre. No mínimo, alteram-se o cronograma (tempo) e o mapa (espaço). Em geral, modificam-se os mecanismos de equilíbrio entre frustração e gratificação, o que costuma aumentar o estresse. Se mais filhos nascem, este é ainda maior. Junte-se a isso a crescente questão de administrar a relação entre os irmãos.

Quando nasce um segundo filho, então, além do já aprendido com o primeiro, deve-se aprender a lidar com os sentimentos e condutas que o nascimento do segundo, em alguma medida, desperta no primogênito. O famoso Dr. Escardó, líder da pediatria argentina, dizia justamente que a criança que ganha um irmão experimenta sensações semelhantes às de um adulto, quando, em uma relação, é substituído por outra pessoa. Ser parcialmente excluído, sem ter desejado, do foco de atenção – e das atenções – das pessoas mais importantes em sua vida constitui uma ferida na autoestima difícil de metabolizar. E é preciso uma atitude muito inteligente dos pais para manter as coisas dentro de vias aceitáveis.

A que nos referimos com “inteligente”? Certamente, não apenas à abundância de informação e/ou vocabulário, refinamento das ideias ou nível de instrução, coisas que de qualquer modo exercem alguma influência. Falamos, antes, de inteligência emocional. A capacidade de se conectar com os próprios sentimentos e com os alheios e encontrar recursos para administrar os diferentes tipos de vínculo entre eles.

Se há um sentimento paradigmático entre os seres humanos este é o ciúme. Desde a mais remota história bíblica de Caim e Abel, passando pela medieval e shakespeareana Otello, inúmeros exemplos demonstram sua presença contínua. Incluindo aí a experiência pessoal de cada um de nós, que, em idades diferentes e por motivos diferentes, não deixamos, com certeza, de experimentá-lo alguma vez na vida.

É uma emoção dolorosa, que parte da suposição de que um dos filhos foi privado injustamente, a favor do outro, de uma parte de afeto que lhe corresponde. Real ou imaginária, esta suposição, na verdade, baseia-se em uma discordância, em certa medida inevitável, entre o desejo de toda criança de receber o máximo de atenção dos pais e a intenção destes de atender de modo diferenciado às diferentes necessidades dos filhos.

Com efeito, todo filho, de um ponto de vista egocêntrico, parte do pressuposto de que os pais devem ser, entre outras coisas, juízes infalíveis em relação a ele e a seus irmãos. E que, portanto, devem distribuir entre eles, sempre de maneira inequivocamente igualitária, seu tempo, sua atenção, sua ajuda e seus bens. Mas, como dedicar o mesmo tempo a um bebê recém-nascido e a um estudante no ensino fundamental, relativamente autossuficiente? Ou a um filho saudável e a um doente?  Como estas posturas são, com frequência, muito difíceis de conciliar, os pais geralmente cumprem o papel de mediadores da rivalidade entre os filhos. E este é um dos maiores desafios da vida familiar.

Com os ciúmes e a rivalidade acontece o mesmo que com a chuva: não se pode evitar que ocorra. No entanto, podemos tomar precauções e medidas, evitando nos ensopar e pegar, eventualmente, uma pneumonia.

Vejamos:

  • É negativo os pais darem ordens do tipo “não briguem”, pois estas implicam uma mensagem paradoxal, impossível de se cumprir e que só acrescentará uma dose de frustração e culpa à difícil situação. Deveria dar-se por certo que esses sentimentos existem, fazem parte da natureza humana, mais sutil, flexível e complexa que qualquer outra. Não se conhece nenhum caso de ser humano que, em qualquer época ou lugar, tenha se sentido satisfeito por ter sido privado de algo de valor para ele… A não ser que fosse para obter em troca algo de maior valor. Fique claro que não nos referimos apenas a valores materiais.
  • É bom os pais transmitirem gradualmente aos filhos que não são “reis” nem “magos”, fazem o melhor que podem e certamente irão se equivocar alguma vez. Quando isso ocorrer, pedirão as devidas desculpas. Mas devem notar que são os maiores responsáveis por tudo o que ali ocorra. Sob esse aspecto, são os principais encarregados de distribuir os bens, as sanções e as recompensas, bem como organizar a vida em comum. Embora sempre seja de esperar, mesmo no melhor dos casos, certa tensão entre duas alternativas vinculadas à ideia de justiça: “dar a todos o mesmo ou dar a cada um o que necessita”.
  • É importante estabelecer o princípio de que quem tem maior responsabilidade deve ter maior poder. Se alguém tem muito poder e pouca responsabilidade, abusa dos outros. Se tem muita responsabilidade e pouco poder, abusa de si mesmo… Em nenhum dos casos, pode-se prever um bom futuro. A autêntica relação de autoridade baseia-se no equilíbrio entre ambas as atribuições. Em uma fórmula: P (poder) + R (responsabilidade) = A (autoridade).
  • A complicada trama das relações interpessoais está tecida com fios diversos, alguns deles, aliás, em contradição com outros. Por isso, é bom aceitar que nem sempre é possível colaborar e que, às vezes, estabelecem-se relações de competição, o que costuma ser, em especial na infância, a maneira de pôr em jogo as competências correspondentes…
    Não se trata, pois, de negar essa tendência, mas de poder enquadrá-la para que não se torne violenta e destrutiva. Mostrando que também é possível (e desejável) competir em um aspecto e colaborar em outro, como, por exemplo, dois tenistas que competem para ganhar o jogo, mas colaboram para comportar-se de modo a garantir o espetáculo, preservando assim – e isto é importante – a essência do próprio jogo.
    De qualquer modo, “quando o sangue sobe à cabeça”, os adultos devem intervir o mais rápido possível e deter o círculo vicioso de violência. Em seguida, devem ajudar a pensar sobre o assunto e obter as aprendizagens necessárias, evitando a repetição dos fatos. Nenhuma criança, ou grande parte delas, é capaz de entabular um diálogo razoável no meio de um chilique.
  • Costuma-se fazer confusão em torno do conceito de incondicionalidade. No caso dos adultos responsáveis, sejam pais ou docentes, a incondicionalidade passa pela disponibilidade permanente, mas não necessariamente por responder sempre de maneira ótima a qualquer tipo de demanda. A mensagem seria: “estivemos, estamos e estaremos; podem contar conosco para proteger, alentar e ajudar do modo que nos for possível”. Escutaremos e compreenderemos qualquer sentimento ou pensamento que queiram dividir conosco, mas, ao mesmo tempo, não permitiremos qualquer comportamento que surja deles. Em especial, se ele puser em perigo a integridade do outro ou da própria vida em comum.
  • Isto nos leva a outra confusão habitual acerca dos limites. Poderia parecer que passamos, em poucas décadas, de pais que determinavam até o futuro do trabalho dos filhos a pais incapazes de dizer “não” aos caprichos mais insólitos (ou, ao contrário, “sim” às pretensões mais absurdas)… A pergunta seria: “Em que devemos pôr limite e em que não?”. E a resposta que nos parece mais sensata é: devemos limitar os desejos e impulsos e não limitar, mas antes estimular, os talentos e as potencialidades. O que, indiretamente, acaba sendo um bom antídoto contra os ciúmes e outros resíduos tóxicos, que germinam melhor quanto mais frouxa for a autoestima.

     

Finalmente, caso necessário, um esclarecimento: estas palavras dirigem-se à imensa maioria de pais que amam seus filhos e tentam fazer o melhor para eles. O fato de não mencionar em cada passo a palavra “amor” não significa que ignoramos esse componente, mas que o tomamos por certo em nossos leitores, porque, de outro modo, não poderiam ser pais. Mas, como disse o grande Bruno Bettelheim, que sabia muito destas coisas, “só o amor não basta”. Muitas das coisas que transtornam a vida familiar ocorrem apesar e até, às vezes, como consequência das “melhores intenções”. Parece, pois, necessário pensar. Esperamos que estas palavras contribuam nessa direção.

Compartilhando Histórias de irmãos

A Comunidade Virtual Entre Pais, um projeto EducaRede Iberoamericano, quer convidá-lo a mostrar seu mundo a partir de um acontecimento que mostre o que significa criar filhos, construir a noção de “irmãos”, de “família”.  Uma história que, embora possa parecer mínima, torna-se máxima na hora de compartilhar com outros pais a universal tarefa de criar filhos.

Gostaríamos de compartilhar relatos breves de um fatos curiosos, contados a título de ilustração, exemplo ou entretenimento. Seriam histórias que mostrem uma forma de ver o mundo e também convites para compartilhar, trocar experiências e conclusões sobre a vida. Esse tipo de história é chamado de anedota.

Plutarco dizia que “Às vezes, uma brincadeira, uma anedota, um momento insignificante retratam melhor um homem ilustre do que as maiores proezas ou as batalhas mais sangrentas”.

Para compartilhar sua anedota, entre aqui.

 

 

* Rolando Martiñá, pai de dois filhos e avô de quatro netos, é Professor Normal Nacional, Graduado em Psicologia clínica e educacional. Pós-graduado em Orientação Familiar, convênio Fundação Aigle- Instituto Ackerman de Nova York. Membro do Programa Nacional de Convivência Escolar, Ministério da Educação da Argentina. Conselheiro familiar e de instituições educativas. Autor de Escuela hoy: hacia una Cultura del Cuidado, Geema, 1997; Escuela y Familia: una alianza necesaria, Troquel, 2003; Cuidar y Educar, Bonum, 2006 e La comunicación con los padres, Troquel, 2007. E-mail de contato: rmartina@fibertel.com.ar

(CC BY-NC Acervo Educarede Brasil)

 

 

 

 

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